Tipos de meditação

Como a neurociência identifica diferentes estilos de meditação: atenção focada, monitoramento aberto e outras práticas

Introdução: Qual a sua prática e como escolhê-la?

Normalmente, um iniciante na prática de meditação acaba descobrindo uma ou outra técnica meio que ao acaso: ou porque a encontrou em um app de meditação, ou porque um amigo o apresentou a um grupo ou a um centro de meditação.

Às vezes, essa técnica encontrada ao acaso “bate” com o estilo da pessoa. Às vezes, não.

Nessa hora, algumas pessoas insistem na técnica ou procuram algo mais compatível com o seu estilo, enquanto outras chegam rapidamente à conclusão de que “meditação não funciona”, que “meditação é um tédio” ou que, ao invés de se acalmarem, ficam ainda mais ansiosas com a prática.

É uma espécie de tentativa e erro mesmo.

Tantas são as técnicas de meditação existentes, e muitas são as variações dessas técnicas, que às vezes a gente pode mesmo se perguntar “mas isso é mesmo meditação?”

“No meu caso, primeiro, comecei com meditação da atenção plena ou mindfulness. Depois, sem nem mesmo me dar conta disso, passei para a meditação védica ou transcendental. Aí, pratiquei meditação no estilo Budista, e passei para Vipassana.”

Existem inúmeras formas de se meditar, baseadas em diferentes tradições — algumas antigas, outras adaptações mais modernas, ou variações; algumas tem fundo religioso, espiritual ou místico, enquanto outras são seculares, ecumênicas ou laicas.

As técnicas de meditação e suas denominações podem variar enormemente, e algumas mesmo se sobrepõem umas às outras.

“Quanto mais eu me familiarizava com as diferentes técnicas que eu estava explorando, mais eu percebia que não apenas elas tinham muitas coisas em comum entre si, mas também que frequentemente elas se complementavam umas às outras— e, portanto, tornavam a minha própria prática meditativo-contemplativa mais completa e gratificante.

Havia dias nos quais eu não conseguia focar minha atenção em minha respiração, e somente um mantra conseguia manter a minha concentração. Outras vezes, se eu tentasse partir diretamente para uma técnica de varredura do corpo (body scanning), eu não conseguia relaxar: eu precisava focar e acalmar a minha mente primeiro. Também me dei conta de que 10 ou 20 minutos de prática de meditação da bondade amorosa com alguma frequência, especialmente depois de uma longa sessão de meditação, me ajudava a lidar com certas realizações ou dificuldades de natureza emocional.

Então comecei a pensar: o que acontece se nós analisarmos diferentes estilos e técnicas de meditação e levarmos em conta não as suas diferenças, mas focarmos naquilo que elas tem em comum, por meio de pesquisas científicas?

Felizmente, existem diversos estudos científicos realizados sobre meditação. Eu só tinha que pesquisar e estudar o assunto — este artigo é um resumo daquilo que eu descobri.”

Estudos científicos sobre técnicas de meditação

Os pesquisadores tendem a classificar técnicas de meditação, quaisquer que sejam, em duas categorias principais:

  • meditação de atenção concentrada ou focada (AF);
  • meditação de atenção difusa ou monitoramento aberto (MA);

Mas como foram identificados esses dois tipos de meditação?

Por meio de padrões diferentes da atividade eletroencefalográfica, às quais as duas categorias estão associadas, assim como a estruturas neurais diferentes e específicas a cada um dos dois tipos.

Frequentemente, contudo, essas categorias são mescladas por praticantes de diversas tradições e escolas de meditação, inclusive Zen, Vipassanā, Budismo Tibetano, atenção plena (mindfulness), entre outras.

Meditação de atenção concentrada ou focada (AF)

Fotografia de Devin Avery em Unsplash

Frequentemente a primeira técnica ensinada a meditadores iniciantes, este tipo de meditação caracteriza-se pelo foco intencional e deliberado em um objeto da atenção, no qual o foco é mantido.

Este objeto é também chamado de âncora da atenção e dependendo da técnica, pode variar, como por exemplo: a respiração, um mantra ou som repetido, uma imagem.

Dentro de cada uma dessas categorias, pode-se prestar atenção a diferentes aspectos da experiência sensorial. Por exemplo, a imagem pode ser estática, como a figura de uma deidade, ou uma mandala; ou dinâmica, como a chama de uma vela; pode ser imaginária, como uma imagem mental; ou concreta, como uma foto ou estátua na frente do praticante.

A sustentação da atenção concentrada tem como objetivo estabilizar a mente de distrações, torpor e hiperexcitabilidade, todas as quais podem influenciar negativamente a prática meditativa.

Para alcançar este objetivo, o praticante precisa desenvolver três habilidades principais:

  1. monitoramento de distrações sem desestabilizar o foco da atenção ou, em outras palavras, evitar devaneios mentais ou “mente de macaco”.
  2. desvinculação das distrações sem maior envolvimento (“deixe que venha, deixe estar, deixe que se vá”).
  3. redirecionamento do foco da atenção para a âncora de atenção, normalmente de forma suave, gentil e com autocompaixão.

Enquanto os processos mentais do foco deliberado da concentração e da sua manutenção em uma determinada âncora de atenção possam ser exaustivos e mesmo parecer forçados no início, tal ocorre com cada vez menor intensidade, resultando em maior concentração com menor esforço quanto mais se praticar a técnica.

Os possíveis benefícios para praticantes experientes deste tipo de meditação incluem sensação de vigor e revigoramento e, consequentemente, menor necessidade de tempo de sono, estados de concentração mais intensa por períodos prolongados de tempo, além da significativa diminuição de reações emocionais e impulsivas às situações que se apresentam.

Alguns dos estilos e tradições de meditação que se baseiam em técnicas de atenção concentrada incluem o Qigong, o terceiro ventículo do Zen, o Budismo do Caminho do Diamante e a meditação Anapanasati.

Meditação de atenção difusa ou monitoramento aberto (MA)

Fotografia de Viktor Hanacek

Esta prática caracteriza-se pela consciência não-reativa e sem julgamento do conteúdo da experiência momento a momento. Em contraste com a meditação da atenção concentrada, não há um objeto sensorial ou âncora para se focar a atenção; em lugar disso, o praticante concentra a sua atenção no próprio fluxo da experiência do presente momento.

Normalmente, a meditação de monitoramento aberto depende, pelo menos nas suas fases iniciais, no uso da atenção concentrada com o fim de acalmar a mente, aumentar a concentração e reduzir as distrações.

Conforme o praticante se torna mais experiente, a atenção difusa pode se tornar a sua principal prática. Durante esta prática, o meditador permanece atento a qualquer coisa que aconteça na sua experiência sensorial, ao mesmo tempo em que não foca em qualquer objeto específico e mantém uma atitude de não-reatividade, ou equanimidade.

Frequentemente, utiliza-se uma estratégia de categorização ou uso de rótulos para nomear aspectos da experiência sensorial (por exemplo, “isto é ansiedade”) como forma de se operacionalizar a atitude de não-reatividade, e as pesquisas indicam que essa prática pode ser eficaz para inibir reações emocionais automáticas.

“Um objetivo central da prática de monitoramento aberto é a obtenção de uma clara consciência reflexiva de características normalmente implícitas da vida mental de alguém. Diz-se que a consciência de tais características permite transformar mais rapidamente os hábitos cognitivos e emocionais. Em particular, a prática da atenção difusa supostamente leva uma pessoa a um estado de consciência mais aguda, mas menos reativa emocionalmente, do sentido de identidade autobiográfica que se projeta de volta ao passado e avança no futuro. Por fim, percebe-se a ocorrência do aumento da sensibilidade corpórea e ao meio , juntamente com uma diminuição de formas de reatividade que provocam sofrimento mental” (Lutz, 2008)

O objetivo da meditação de monitoramento aberto é desenvolver, por meio de treinamento, um sentido de equanimidade ou de meta-cognição, na qual a eficiência do sistema de atenção aumente. Isso ocorre pelo fato de que menos recursos (ou seja, menos atenção) estão direcionados a um pensamento, imagem ou sentimento em particular. Estudos indicam que a meditação de monitoramento aberto de um lado reduz a atenção focada intencionalmente e de outro, aumenta a desvinculação a memórias autobiográficas.

Algumas tradições e práticas meditativas que estão baseadas no monitoramento aberto são a “Shikantaza” ou “apenas sentar-se” no Soto Zen Japonês, a “atenção sem escolha” de Krishnamurti, a meditação Vipassana do budismo Teravada, as meditações Sahaja e Sahaja Samadhi (tradição védica/Krya yoga de Sudarshan), Qigong de concentração, a técnica “Ver-Ouvir-Sentir” de Shinzen Young e de “repouso absoluto” de outros professores ocidentais do budismo.

Outros tipos de meditação

Fotografia de Tim Marshall em Unsplash

Práticas de aprimoramento ético

Outros autores acrescentam uma terceira categoria de práticas meditativas, denominando-a como “práticas de aprimoramento ético”, nas quais o praticante cultiva qualidades éticas (bondade amorosa, compaixão, perdão, gratidão), por meio da incorporação de elementos tanto da atenção focada quanto do monitoramento aberto.

Os meditadores focam no desenvolvimento de amor e compaixão primeiro por eles mesmos, e depois gradualmente estendem este amor para objetos com os quais tal sentimento se torna mais difícil (por exemplo, começando com um amigo, passando para um desconhecido, até chegar em alguém com quem se tenha um relacionamento difícil ou verdadeiro desgosto). Quaisquer associações negativas que surjam são paulatinamente substituídas por emoções positivas, como uma preocupação empática ou pró-social. (Lippelt, 2014)

A maioria dos pesquisadores, contudo, incluem este tipo de prática em um ou em ambos os estilos de meditação mencionados anteriormente.

Transcendência automática do ego

Outro estudo científico sugere a existência de outro estilo de meditação, que se poderia traduzir como “transcendência automática do ego” e que se diferenciaria dos dois principais estilos mencionados anteriormente devido à ausência tanto de (a) foco quanto de (b) esforço ou controle individual.

O raciocínio por trás dessa diferenciação se baseia no fato de que as práticas de atenção concentrada e de monitoramento aberto não se destinam à transcendência da própria atividade meditativa. Como ambas as práticas são processos mentais que mantém o cérebro engajado em um tipo de processamento específico, isso por si só previne a mente da experiência de transcendência.

A meditação transcendental pode ser descrita como pensar ou repetir um mantra — uma palavra sem um significado preciso — e de se voltar a ele quando ocorrer o seu esquecimento.

Os pesquisadores argumentam que apesar de isso se parecer com técnicas de atenção concentrada, há diferenças fundamentais entre elas, inclusive o deslocamento automático da atenção para o silêncio mental e o fato de que o objeto da experiência se desvanecer, ou seja, “usa-se o mantra até que este se perca”.

As minhas conclusões até agora

“Não existe uma forma certa ou errada de se meditar. Todos somos diferentes e é natural que alguém tenha uma maior inclinação ou preferência pela prática de alguma técnica do que outra pessoa — e não há problema algum que seja assim.

Aquilo que funciona para mim pode não funcionar para você, no final das contas.

Por quê não aprender novas técnicas e experimentá-las, para se dar conta por si mesmo(a) daquilo que funciona para você (e daquilo que não funciona também)?”

Ao final, é o caminho que conta, não o destino. Aproveite a jornada que a meditação pode lhe proporcionar e todos os benefícios dessa incrível prática.

Principais referências bibliográficas:

  • Fujino M, Ueda Y, Mizuhara H, Saiki J, Nomura M. Open monitoring meditation reduces the involvement of brain regions related to memory function. Sci Rep. 2018 Jul 2;8(1):9968.
  • Lippelt, Dominique P., Bernhard Hommel, and Lorenza S. Colzato. ‘Focused Attention, Open Monitoring and Loving Kindness Meditation: Effects on Attention, Conflict Monitoring, and Creativity — A Review’. Frontiers in Psychology 5 (2014).
  • Lutz A, Slagter HA, Dunne JD, Davidson RJ. Attention regulation and monitoring in meditation. Trends Cogn Sci. 2008;12(4):163–9.
  • Tanaka, G K. Alterações Eletroencefalográficas Durante a Prática de Meditação Mindfulness. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Saúde Mental doInstituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Rio de Janeiro, 2016.

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Editor da PlenaMente — Meditação & Mindfulness, mestrando em estudos em atenção plena, facilitador Unified Mindfulness certificado. “Gentileza gera gentileza.”