Meditação, Mindfulness e Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDA / TDAH)

Estudos científicos comprovam que a prática de meditação e de mindfulness pode auxiliar no tratamento de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDA ou TDAH).

A person meditating in lotus position with a stylised brain with neuronal connections in the background.
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O que é o Transtorno de Déficit de Atenção (com Hiperatividade) — TDA / TDAH?

O transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH — expressão usada no português brasileiro), ou perturbação de hiperatividade com défice de atenção (PHDA — expressão usada em português europeu) é uma perturbação do neurodesenvolvimento caracterizada por desatenção e/ou hiperatividade e impulsividade em graus inconsistentes com o nível de desenvolvimento do indivíduo (vide o artigo da Wikipedia sobre o tema).

O TDAH tende a acometer crianças; estima-se que cerca de 5% a 7% delas padeçam de TDAH. Mas em cerca de dois terços dos casos, o TDAH persiste durante a vida adulta. Pesquisadores estimam que entre 2.5% a 4.4% da população adulta sofra com TDAH.

Pacientes adultos com transtorno do déficit de atenção com hiperatividade tendem a sofrer com maior intensidade de outros problemas do que a população em geral: de ansiedade a depressão, passando por impulsividade na tomada de decisões, ataques de raiva, aversão à frustração e desregulação emocional, além de menor desempenho da memória de curto-prazo, entre outros. Isso pode acarretar menor capacidade de funcionamento social e ocupacional.

De acordo com o consenso médico atual, o tratamento mais eficaz do TDAH é o medicamentoso. O Dr. Russel A. Barkley, médico especialista na matéria, defende que os medicamentos atualmente disponíveis podem normalizar o comportamento de 50% a 65% dos pacientes com TDAH e provocar significativa melhora em outros 20% a 30% dos pacientes.

Por diversas razões, contudo, seria muito interessante dispor de meios não medicamentosos adicionais para complementar o tratamento medicamentoso daqueles pacientes que dele fazem uso, ou para pelo menos minimizar os sintomas e as consequências do TDAH para aqueles pacientes que não podem ou não querem fazer uso dos medicamentos hoje disponíveis.

Intervenções com meditação e outras práticas de mindfulness podem auxiliar pacientes com TDAH?

Intuitivamente, a nossa resposta para esta pergunta é positiva.

Isso porque a prática de meditação e outras práticas de mindfulness podem se constituir como um treinamento específico da atenção ou concentração, que é exatamente um dos elementos que pacientes com TDAH carecem, em comparação com a maioria da população.

Intervenções de mindfulness tendem a desenvolver e enfatizar a equanimidade, ou seja, atitudes de observação e não-reação ou não-julgamento em relação aos pensamentos, emoções e estados corporais do praticante, o que parece fortalecer a capacidade de auto-regulação emocional, que tende a estar mais comprometida em pacientes com TDAH.

Para maiores informações sobre técnicas de meditação que estão direcionadas a uma ou outra finalidade (treinamento de atenção ou treinamento de equanimidade), consulte artigo anterior da Plenamente:

Além disso, muitos estudos indicam que a prática rotineira e continuada de meditação e de outras intervenções de mindfulness podem ser capazes de alterar a estrutura do cérebro por meio de mecanismo chamado de “neuroplasticidade”, fortalecendo regiões e caminhos neuronais que justamente tendem a ser menos desenvolvidas no caso de pacientes com TDAH:

Mas não basta apenas confiarmos em nossa intuição, não é mesmo?

Partimos, então, para a pesquisa e a análise de estudos científicos a respeito do tema.

Quais estudos e que metodologia foram usados para este artigo?

Felizmente, já há um número bastante significativo de estudos realizados a respeito do tema meditação e/ou mindfulness e TDAH. Em razão disso, concentramo-nos em metanálise (“meta analysis”, no inglês), ou seja, estudos estatísticos sobre os estudos já realizados.

Cabe lembrar, ainda, que os estudos que foram analisados foram publicados em prestigiados periódicos científicos, que tem exigências estritas a respeito da necessidade do uso de padrões e de metodologia científica. Além disso, passam pela chamada “revisão por pares” (ou “peer review”, em inglês), que consiste em em submeter o trabalho científico ao escrutínio de um ou mais especialistas do mesmo escalão que o autor, que na maioria das vezes se mantêm anônimos ao autor.

Neste sentido, localizamos as seguintes metanálises, todas bastante recentes (publicadas entre 2019 e 2021), que foram usadas para a nossa pesquisa:

  1. Poissant, H., Moreno, A., Potvin, S. et al. A Meta-analysis of Mindfulness-Based Interventions in Adults with Attention-Deficit Hyperactivity Disorder: Impact on ADHD Symptoms, Depression, and Executive Functioning. Mindfulness 11, 2669–2681 (2020). https://doi.org/10.1007/s12671-020-01458-8 — este estudo teve como base quatorze estudos individuais, para uma população estudada total de 834 pacientes adultos com TDAH.
  2. Cairncross, M., & Miller, C. J. (2020). The Effectiveness of Mindfulness-Based Therapies for ADHD: A Meta-Analytic Review. Journal of Attention Disorders, 24(5), 627–643. https://doi.org/10.1177/1087054715625301 — este estudo incluiu dez estudos individuais na análise do componente “desatenção” e nove estudos individuais na análise do componente “hiperatividade/impulsividade”, com 195 pacientes ao todo.
  3. Oliva, F., Malandrone, F., di Girolamo, G., Mirabella, S., Colombi, N., Carletto, S., & Ostacoli, L. (2021). The efficacy of mindfulness-based interventions in attention-deficit/hyperactivity disorder beyond core symptoms: A systematic review, meta-analysis, and meta-regression. Journal of Affective Disorders, 292, 475–486. https://doi.org/10.1016/j.jad.2021.05.068 — este estudo incluiu trinta e um estudos, com uma população total estudada de 1.336 pacientes adultos.
  4. Xue J, Zhang Y, Huang Y. A meta-analytic investigation of the impact of mindfulness-based interventions on ADHD symptoms. Medicine (Baltimore). 2019 Jun;98(23):e15957. doi: 10.1097/MD.0000000000015957. PMID: 31169722; PMCID: PMC6571280 — este estudo baseou-se em onze estudos individuais, com uma população total de 682 participantes.

Mas afinal o que dizem esses estudos a respeito do uso de meditação ou práticas de mindfulness por parte de pacientes com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade?

As quatro metanálises acima mencionadas chegam à conclusão, ao analisar dezenas de estudos científicos, que:

Sim, a prática de meditação e outras intervenções de mindfulness por parte de pacientes com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) pode trazer benefícios concretos a eles, e ser um meio eficaz de tratamento da TDAH, ao reduzir os seus sintomas.

Além disso, tais práticas podem ser capazes de reduzir outros sintomas e condições associados à TDAH, como a depressão e os problemas de cognição e de funcionamento executivo, tais como dificuldades com memória de curto prazo, com a inibição de comportamentos inadequados, dificuldades no controle emocional, etc.

A análise estatística dos estudos parecem indicar que a prática de meditação e outras intervenções de mindfulness têm resultados um pouco melhores para a desatenção do que para a hiperatividade; mas em ambos casos, a melhoria é significativa.

Os estudos indicaram que adultos tendem a ter melhor resultado com o uso de meditação e outras práticas de mindfulness para o tratamento do TDAH do que as crianças. Conjectura-se que isso se deva a duas razões: o fato de que o TDAH em adultos está mais associado à desatenção, enquanto em crianças está mais associado à hiperatividade; e o fato de que os adultos podem ter melhor compreensão a respeito da sua condição de portadores de TDAH e, portanto, de estarem mais envolvidos no seu tratamento do que as crianças.

O que isso tudo significa para pacientes com TDAH?

Em primeiro lugar, cabe recordar que é importante consultar o seu médico se você tiver ou suspeitar ter TDAH. As duas especialidades médicas que diagnosticam e tratam TDAH são a psiquiatria e a neurologia.

Em segundo lugar, não interrompa tratamento medicamentoso em nenhuma hipótese sem antes consultar o seu médico.

Feitos estes necessários esclarecimentos prévios, o que esses estudos científicos indicam é que:

  1. a prática de meditação e outras intervenções de mindfulness (tais como o escaneamento do corpo ou “body scanning”, a meditação ao caminhar, a prática de yoga e de outras intervenções corporais) pode trazer benefícios para os pacientes com TDAH, melhorando a sua qualidade de vida;
  2. essas intervenções podem ser importantes coadjuvantes no tratamento medicamentoso de TDAH; ou seja, se o paciente com TDAH já faz uso de medicação para este transtorno, acrescentar práticas de meditação ou mindfulness pode intensificar a eficácia dos remédios, e reduzir ainda mais os sintomas e as consequências do TDAH na vida do paciente.

Os estudos indicam, contudo, que outras terapias ativas, em especial a medicamentosa, mas também psicoterapia (notadamente da linha racional-cognitiva) podem trazer maiores benefícios ao paciente de TDAH do que intervenções com mindfulness.

Entretanto, mesmo se o paciente com TDAH não faz uso de medicação ou de outras terapias ativas, as práticas de meditação e de mindfulness podem auxiliá-lo(a) a conviver com o TDAH com menores problemas e prejuízos em sua vida.

A prática de meditação e de mindfulness, portanto, pode ser importantíssimo complemento para outras formas de tratamento de TDAH.

Mas repetimos aqui o alerta: consulte sempre um médico especialista, para melhor avaliar o seu caso.

Como começar a meditar?

A Plenamente disponibiliza uma série de artigos totalmente gratuitos que explicam desde o início os conceitos básicos (o que é atenção plena, mindfulness, meditação); e como começar a praticar meditação e mindfulness. Acesse aqui:

🙏 Obrigado pela leitura! 🙏

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Editor da PlenaMente — Meditação & Mindfulness, mestrando em estudos em atenção plena, facilitador Unified Mindfulness certificado. “Gentileza gera gentileza.”